Conhecer e Ser Conhecido (Por Deus)

19/10/2025

Conhecer e Ser Conhecido (Por Deus)

Mateus 7:21-23

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Introdução

No auge de seu ministério, Jesus proferiu uma das declarações mais solenes e perturbadoras das Escrituras: mesmo diante de profecias, milagres e exorcismos realizados em Seu nome, Ele dirá a muitos: "Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim" (Mateus 7:23). Este veredicto final revela uma verdade profunda e urgente: a vida espiritual não pode ser fundamentada em uma mera profissão de fé ou em atividades religiosas impressionantes. O cerne da existência cristã gira em torno de um paradoxo glorioso: o anseio humano de conhecer a Deus é, na verdade, precedido e possibilitado pelo desejo divino de ser conhecido por nós. Mas o que significa, de fato, "conhecer" e "ser conhecido" por Deus?

Esta reflexão explorará a natureza desse conhecimento recíproco, que constitui a própria essência da vida eterna.

I. Análise de Mateus 7:21-23:

"Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no Reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade."

Observemos dois elementos importantes:

  • Profissão Verbal: "Senhor, Senhor" indica reconhecimento da autoridade de Cristo...
  • Atividades Religiosas Impressionantes: Profecia, exorcismo, milagres — tudo em nome de Jesus.

Por qual motivo, então, Jesus declarou que não conhecia essas pessoas?

II. O que significa ser conhecido por Deus?

Como observou Orígenes: "O 'conhecer' de Deus é um ato de amor, um reconhecimento mútuo que une o coração humano ao coração divino" (Comentário sobre João, Livro X).

O conhecimento de Deus não é apenas intelectual, mas um evento de comunhão, uma amizade transformadora.

Em Mateus 7:21-23 temos o exemplo de um grupo religioso que praticava a iniquidade (anomos), ou seja, não estava em sintonia com a Palavra de Deus:

  • Conhecimento teológico correto sem relacionamento;
  • Obras impressionantes sem comunhão com Cristo;
  • Identificação religiosa externa sem transformação interna.

A rejeição final, por Jesus, não se baseia em ignorância doutrinária ou falta de atividade religiosa, mas na ausência de comunhão verdadeira, relacionamento autêntico com Cristo. Tudo isso significa que aquele grupo, de fato, não era conhecido por Deus porque não conhecia a Deus coma a Bíblia ensina.

Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. João 17:3

A rejeição final do grupo não se baseia em ignorância intelectual, doutrinária ou falta de atividade religiosa, mas na ausência de relacionamento autêntico com Cristo.

III. O Conhecimento Relacional na Bíblia

No Antigo Testamento: A palavra Yada (conhecer) evoca um sentido de intimidade e experiência profunda, até a intimidade matrimonial. Este termo aparece aproximadamente 950 vezes no Antigo Testamento.

Gênesis 4:1 — "Conheceu Adão a Eva, sua mulher"

O uso da palavra "yada" aqui revela uma relação profunda e pessoal que resulta em comunhão íntima e procriação.

Êxodo 33:17 — "Disse mais o Senhor a Moisés: Farei também isto que disseste, porquanto achaste graça aos meus olhos, e eu te conheço por nome"

Aqui yada denota relacionamento especial. Deus não meramente "sabe sobre" a existência de Moisés, mas o conhece pessoalmente, distinguindo-o dos demais homens.

Oseias 13:4-5 — "Mas eu sou o Senhor, teu Deus, desde a terra do Egito; portanto, não conhecerás outro deus além de mim, porque não há Salvador senão eu. Eu te conheci no deserto, na terra muito seca"

O conhecimento mútuo entre Deus e Israel é a base da aliança. Deus conheceu (cuidou de, sustentou) Israel no deserto, e Israel deve conhecer (reconhecer, adorar exclusivamente) somente a Yahweh.

No Novo Testamento: Ginōskō

O termo grego ginōskō preserva o sentido relacional do hebraico yada. Oos autores do Novo Testamento frequentemente empregam ginōskō para denotar relações de comunhão, reconhecimento e intimidade com Deus.

João 10:14-15 — "Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim, assim como o Pai me conhece a mim, e eu conheço o Pai"

Jesus estabelece paralelo extraordinário: o conhecimento mútuo entre pastor e ovelhas é comparado ao conhecimento mútuo entre Pai e Filho. Isto eleva o relacionamento Cristo-crente ao nível de intimidade trinitária.

1 Coríntios 8:3 — "Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido por ele"

Paulo diz "se alguém ama a Deus" é porque desfruta de um conhecimento relacional profundo e transformador com Deus. Quem ama a Deus é porque é conhecido por Deus.

IV. Conhecer vs. Ser Conhecido

Há uma grande diferença entre conhecer SOBRE Deus e conhecer A Deus.

  • Conhecer SOBRE Deus: Informação histórica, religiosa e teológica.
  • Conhecer A Deus: Relacionamento, comunhão transformadora.

Os demônios "conhecem" SOBRE Deus e tremem (Tiago 2:19), mas não são "conhecidos" por Ele em comunhão e nem em aliança salvadora.

Os falsos crentes de Mateus 7:22 "conheciam" sobre Jesus (profetizavam, expulsavam demônios em Seu nome), mas não eram "conhecidos" por Ele relacionalmente. Jesus está afirmando que, apesar das aparências religiosas, aquelas pessoas não desenvolveram um relacionamento autêntico com Deus.

Anás e Caifás vs. João Batista

Anás e Caifás eram os líderes religiosos mais influentes entre os judeus durante o ministério terreno do Senhor Jesus Cristo. Ambos foram sumos sacerdotes e integrantes da seita dos saduceus. Lucas escreveu que naquele tempo Anás e Caifás eram sumos sacerdotes (Lucas 3:2).

A história diz que Anás era muito influente e conseguiu com que cinco de seus filhos ocupassem o ofício de sumo sacerdote, além de seu genro, Caifás, e um de seus netos.

Anás e Caifás estiveram diretamente envolvidos na condenação e morte de Jesus. Naqueles dias o Sinédrio era presidido por Caifás. Jesus, antes de ser julgado e condenado pelo Sinédrio, passou por um interrogatório preliminar diante de Anás.

Estes dois líderes religiosos foram perseguidores da igreja de Cristo. Chegaram a prender os apóstolos Pedro e João e os ameaçaram para que eles deixassem de proclamar o nome de Jesus. Além disso, foi nesse mesmo período que o apóstolo Tiago, filho de Zebedeu, e o diácono Estêvão foram martirizados.

Anás e Caifás foram citados uma última vez nominalmente na Bíblia no livro de Atos 5:9.

João Batista

João Batista era um pregador e profeta itinerante cuja mensagem estava baseada no arrependimento e na anunciação da chegada do messias Jesus Cristo.

• Em Lucas 1:5, é dito que Zacarias, pai de João Batista, era um sacerdote da divisão de Abias, da ordem de Arão.

• Em Lucas 1:76, Zacarias diz: "...E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque precederás ao Senhor, para preparar os seus caminhos."

Reflexão:

Anás e Caifás, como líderes religiosos, conheciam SOBRE Deus, mas não tinham comunhão com Ele e no exercício de seu sacerdócio condenaram Jesus e se tornaram perseguidores da igreja de Cristo. Enquanto João Batista não tinha poder político, mas conhecia A Deus e era conhecido por Ele.

Quando Deus "conhece" alguém, Ele não apenas reconhece a existência dessa pessoa — Ele se relaciona com ela.

Como afirmou Gregório de Nissa: "Conhecer a Deus é ser conhecido por Ele, um mistério de comunhão que transforma a alma" (Vida de Moisés, Parte II).

Conclusão:

Conhecer a Deus significa conhecimento relacional e não meramente intelectual ou religioso, mas de comunhão.

A essência da salvação não se limita a conhecer SOBRE Deus, mas envolve participar de um relacionamento pessoal — uma fé viva, responsiva e relacional. Este conhecimento relacional é profundamente transformador. Como consequência, essa convivência relacional faz com que a pessoa seja conhecida por Deus e isto significa dizer que não apenas Deus sabe de sua existência, mas tem o seu nome no Livro da Vida.

Pense nisso e que Deus nos abençoe rica e abundantemente. Amém!